Você provavelmente deve achar que hospitalidade é o ato de receber bem ou que hospitalidade está relacionado a hospital. Não é incorreto, só superficial.
Antes de eu entrar na faculdade, eu jurava de pé junto que eu seria gerente de hotel. No final de três meses, eu tive a certeza de que trabalhar em hotel estava fora de questão. Então, por que raios eu continuei fazendo curso de hotelaria? Porque rapidamente eu percebi que a formação em hotelaria me permitiria trabalhar em áreas diferentes e que meu verdadeiro interesse estava na hospitalidade. Entendi sua amplitude e, por fim, que toda empresa deveria ter um setor dedicado a isso…Quem sabe no futuro isso aconteça.
Para facilitar o raciocínio, eu criei um infográfico para exemplificar o que é hospitalidade. Veja abaixo:

Em outras palavras, hospitalidade acontece…
Quando viajamos, momentaneamente nos tornamos hóspedes e turistas, somos o Outro, o Estranho em terras desconhecidas. A forma como os turistas são tratados varia de acordo com a cultura local. Mas, partimos do princípio que seremos bem recebidos e acolhidos, afinal de contas estamos fora das nossas casas e distantes da nossa zona de conforto.
Pena que não funciona bem assim. Hospitalidade e hostilidade são como duas crianças brincando de esconde-esconde na rua.
Viajar pode tanto criar um vínculo social, como desfazê-lo. Existem lugares que eu já visitei que eu não volto nem para receber herança. Eu brinco dizendo que, a cada viagem, o indivíduo nasce de novo, porque não se tem a menor ideia do que o espera.
Dados atuais do mercado
O mercado de turismo foi um dos primeiros a ser afetado com o avanço do coronavírus pelo mundo. Um estudo realizado pela CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) estima que o setor já acumulou R$ 62,5 bilhões em perdas desde 11 de março. Já a OMT (Organização Mundial do Turismo) projeta uma queda de receita de até USD 1,2 trilhões em exportações do turismo e até 120 milhões de pessoas correm o risco de perder seus empregos.
Apesar deste cenário alarmante, aos poucos foram noticiadas diversas medidas solidárias adotadas por empresas do mercado de turismo. É um lembrete que se todo mundo trabalhar direitinho o ser humano pode ser melhor.
Atos de solidariedade no turismo
No Brasil e no mundo, hotéis independentes e de rede abriram suas portas para hospedar médicos, enfermeiros, pessoas do grupo de risco, moradores de rua, moradores de favelas, idosos e mulheres vítimas de violência. Como a taxa de ocupação da grande maioria dos hotéis e pousadas está em 0% ou algo próximo disso, não faz sentido manter a estrutura ociosa se há a necessidade urgente de abrigar pessoas.
Por aqui, também foi criada a campanha Quartos da Quarentena, uma medida que visa mobilizar a sociedade civil para pressionar seus políticos a buscarem alternativas de acomodação para quem precisa neste momento. E há casos de hotéis que cederam seus complexos de eventos para receber leitos hospitalares.
O Airbnb criou o Airbnb para Médicos e Enfermeiros. Uma parceria com organizações internacionais de saúde, cuja a meta é oferecer acomodação gratuita para mais de 100 mil profissionais que estão na linha de combate. Em Portugal, foi lançada a iniciativa Rooms Against Covid que busca formas alternativas de acomodação para profissionais da saúde com o auxílio de voluntários. A #hospitalityhelps foi criada para conectar agências do governo, serviços de saúde e proprietários de meios de hospedagem para o fornecimento de camas durante a pandemia. Ao todo, já foram disponibilizados mais de 1,2 milhões de camas no mundo todo.
A forma como essas iniciativas tem ocorrido varia de acordo com a cidade ou país. De maneira geral, os estabelecimentos recebem uma ajuda de custo para atender essas pessoas num regime de pensão completa (café da manhã, almoço e jantar). Neste sentido, os municípios oferecem abrigo seguro para quem precisa e ainda contribuem com a sobrevivência de meios de hospedagem neste momento de crise. Mas, vale ressaltar que também há casos de iniciativas voluntárias.
Cada um faz o que está ao seu alcance
Ainda na hotelaria, a rede Accor criou um fundo chamado ALL Heartist Fund disponibilizando 70 milhões de Euros para amparar financeiramente colaboradores que não possuem seguro social ou médico e/ou que estejam em licença e/ou com dificuldades financeiras. Além disso o fundo financiará iniciativas e ONGs que dão suporte aos profissionais de saúde que estão na linha de frente do combate ao vírus.
Já na aviação, cuja demanda chegou a cair 95% em território nacional, as companhias aéreas Gol, Latam e Azul estão transportando gratuitamente profissionais de saúde que estão atuando na linha de frente. Nestes casos, paga-se apenas a taxa de embarque. Se quiser lubrificar os olhos, assista esse vídeo em que o piloto da Gol homenageia médicos e enfermeiros que foram para Manaus.
Na área de alimentos e bebidas não foi diferente. Nos EUA, foi criada a iniciativa Chef for America , cuja proposta é conectar pessoas que precisam se alimentar diariamente a profissionais de restaurantes que precisam continuar trabalhando. Esta ação está presente em dezenas de cidades americanas e 250 mil refeições são oferecidas todos os dias. Aqui no Brasil, as ações são pontuais e individualizadas. Alguns chefs criaram financiamento coletivo para distribuir marmitas em comunidades carentes e outros se organizaram localmente com parceiros para abastecer hospitais com marmitas.
São incontáveis os casos, todos com um ponto em comum: a solidariedade. É o mercado de turismo exercendo sua função social.
Em resumo
A sociedade pós-moderna não valoriza mais o bem comum, pelo contrário, promove a exclusão do outro. Essa ausência da prática de *alteridade acarreta perda da habilidade básica das pessoas de interagir, acentuando o individualismo da sociedade.
*A interação e ou dependência de um ser humano com o outro é denominada alteridade. Ela pressupõe que o “eu” só pode existir por meio de um contato com o “outro”, ocorrendo valorização das diferenças existentes. A ausência de alteridade acarreta perda da habilidade básica das pessoas de interagir, acentuando o individualismo da sociedade.
A globalização impactou negativamente as relações entre as pessoas, agravando a hostilidade, principalmente em razão do aumento do fluxo migratório. Bauman explica que em um mundo sem fronteiras, as relações tradicionais de hóspede/anfitrião não se adéquam bem, visto que nas cidades contemporâneas vive-se entre estrangeiros e estranhos a todo momento.
Por outro lado, a crise da COVID-19 está nos forçando a olhar para o lado e enxergar o Outro. Estamos passando pelo maior teste de coletividade do últimos tempos e, felizmente, presenciando um momento único de tantos atos de solidariedade no mundo. Olhando especificamente para o mercado de turismo, resta saber se as ações implementadas neste momento serão aperfeiçoadas e perpetuadas. Afinal de contas, por que não?
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